O QUADRINHO BRASILEIRO ALTERNATIVO INVADE ANGOULÊME!
ENTREVISTA COM UM DOS EDITORES DO SELO RISCO IMPRESSO
Entre os dias 17 e 20 de Março acontecerá a 49ª edição do Festival internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França! E se você me acompanha nas redes já deve saber, mas não custas repetir, a Minha HQ “Viveiro” foi uma das obras selecionadas para concorrer ao prêmio na categoria de quadrinho alternativo (Fauve de la Bande Dessineé Alternative).
Juntamente com a HQ “Viveiro” outras 4 obras da editora sediada em Londrina, o Selo Risco Impresso, concorrem na mesma categoria: “ResiduaA” do espanhol Sao., “E daí?”, “Este não é um Lugar seguro” e “Pra quem? Moebius e o Palácio” do nosso querido professor, pesquisador e artista plástico Guilherme E Silveira (confira a entrevista com o autor ao final).
Além da editora londrinense, a 19ª edição da revista independente Café espacial também concorre nessa categoria.
Já o álbum “Escuta Formosa Márcia” (Écoute, Jolie Márcia) do brasileiro Marcello Quintanilha, publicado por aqui pela editora Veneta (e pela Ça et Là na França), concorre na categoria principal (Fauve d’Ore) de melhor álbum.
A cidade de Angoulême é uma das cidades mais movimentadas do sudoeste da França, em parte, por contado do festival de quadrinhos mais importante do planeta, o Festival Internacional de la Bande Dessineé que a quase meio século toma conta da cidade anualmente.
O “Fauve”, como é chamo o prêmio, em referência ao “gatinho” que se tornou símbolo oficial do festival a partir de 2008, é aberto a quadrinhos do mundo todo desde que tenha sido publicado em francês, seja qual for o país de origem, além é claro de terem sido divulgados em livrarias de língua francesa entre dezembro de 2020 e 30 de novembro de 2021.
No caso específico da categoria em que concorremos, não há a necessidade de ter sido publicada em francês (espero que uma dia aconteça!) o que tornou nossa participação possível.
A premiação é organizada da seguinte forma:
As obras são selecionadas por três comissões de reconhecidos especialistas em quadrinhos. Este ano foram formadas Sete seleções, reunindo 83 livros e publicações que formam a competição. São treze prêmios chamados de Fauves d’Angoulême, atribuídos por juris diferentes, divididos da seguinte maneira:
LE FAUVE D’OR PRIX DU MEILLEUR ALBUM (Prêmio de melhor álbum) - homenageia o melhor álbum do ano, sem distinção gênero, estilo ou origem geográfica
LE FAUVE D’ANGOULÊME PRIX SPÉCIAL DU JURY (Prêmio especial do júri) - premia um trabalho que marcou particularmente o júri através de sua narração, sua estética e a originalidade de suas escolhas.
LE FAUVE D’ANGOULÊME PRIX RÉVÉLATION (Prêmio de revelação) - Atribuído ao álbum de um autor ou autora no início de carreira e que tenha publicado no máximo até três álbuns como profissional.
LE FAUVE D’ANGOULÊME PRIX DE LA SÉRIE (Prêmio de série) – Destinado a obras publicadas em série contendo mais de três volumes, sem limite de extensão.
LE FAUVE D’ANGOULÊME PRIX DE L’AUDACE (Prêmio de audácia) – Destinado a obras que apresentam experimentação e inovação formal, de estilo gráfico inventivo e inovador, usando todas as possibilidades da linguagem dos quadrinhos para romper os seus limites.
LA SÉLECTION PATRIMOINE (A Seleção Patrimonial) - É atribuído pelo Grande Júri do Festival. Este prêmio homenageia um pedaço de história mundial dos quadrinhos, e/ou o trabalho editorial que permitiu sua redescoberta.
LE FAUVE D’ANGOULÊME PRIX DE LA BD ALTERNATIVE (Prêmio de quadrinho alternativo) Entregue por um júri especializado, premia a melhor publicação entre as trinta publicações não profissionais selecionadas previamente, independentemente de sua origem geográfica.
LA SÉLECTION JEUNESSE 8-12 ANS (A Seleção infantil de 8 à 12 anos) – Para essa categoria uma obra é escolhida entre oito álbuns destinado a crianças de 8 à 12 anos. Esses álbuns foram selecionados anteriormente pelo Comité Jeunesse. O prêmio é concedido pelo Grand Jury Jeunesse.
LA SÉLECTION JEUNESSE 12-16 ANS (A Seleção Juvenil de 12 a 16 anos) - Para essa categoria uma obra é escolhida entre oito álbuns destinado a crianças de 12 à 16 anos. Esses álbuns foram selecionados anteriormente pelo Comité Jeunesse. O prêmio é concedido pelo Grand Jury Jeunesse.
LA SÉLECTION FAUVE DES LYCÉENS (A Seleção de alunos do ensino médio) - É escolhido entre dez álbuns da Seleção Oficial, previamente selecionado pela Comissão Geral de Seleção. Esse júri é formado por dez estudantes do ensino médio que indicam um vencedor.
LA SÉLECTION FAUVE POLAR SNCF (Prêmio de quadrinho do gênero Thriller ou policial) - Este prêmio recompensa um thriller em quadrinhos, podendo ser uma criação original ou adaptação de uma obra literária.
LA SÉLECTION ÉCO-FAUVE RAJA (Prêmio Ecológico) É escolhido um entre sete álbuns que lidam com questões ecológicas e desenvolvimento sustentável. Selecionado anteriormente pela Comissão Geral da Seleção, este prémio é atribuído por um júri de personalidades.
LE FAUVE D’ANGOULÊME PRIX DU PUBLIC FRANCE TÉLÉVISIONS (Prêmio de Público da TV francesa) – Oito títulos da Seleção oficial serão escolhidos por um comitê jornalistas e especialistas de Literatura da TV francesa. Os álbuns serão disponibilizados para leitura a um júri de espectadores que constituirá o júri de leitores quem elegerá o vencedor deste Prêmio das TVs Públicas da França.
A 49ª edição do Festival internacional de Quadrinhos de AngoulêmeFestival acontecerá entre os dias 17 e 20 de Março, e o resultado você poderá acompanhar aqui!
BRASILEIROS JÁ CONTEMPLADOS EM EM EDIÇÕES ANTERIORES DO FESTIVAL DE ANGOULÊME
Marcello Quintanilha já levou o prêmio de na categoria de HQ policial (Fauve Polar SNCF) por “Tungstênio” na 43ªedição do festival em 2016. Em 2019, João Pinheiro e Sirlene Barbosa levaram o premio especial do Juri ecumênico pelo álbum “Carolina”.
ENTREVITAS COM GUILHER E SILVEIRA, PROFESSOR, QUADRINISTA E UM DOS EDITORES DO SELO RISCO IMPRESSO
Primeiramente, conte para os nossos leitores o que é o Selo Risco Impresso, como surgiu e qual é a sua proposta.
Olá, Valter! Agradecemos o convite e pelas perguntas!
O Selo Risco Impresso surgiu em 2020, a partir da dissolução do Selo Reverso. A Vizette e eu decidimos criar o selo nos voltando para materiais experimentais que cruzassem fronteiras entre os quadrinhos, as artes visuais e a literatura. Seja no campo poético ou na teoria e crítica, procuramos fugir dos campos disciplinares fechados e colocar em circulação publicações novas e com certa ousadia.
O que significa para uma editora independente como o Selo, ter não um, mas cinco trabalhos selecionados para essa premiação?
Ficamos muito felizes de estar na seleção com esses trabalhos (ResiduaA, E daí? e Este não é um lugar seguro; e Viveiro e Pra quem? Moebius e o Palácio) principalmente por ser um ótimo reconhecimento para as obras e autores. O Angoulême é um festival muito importante, é ótimo ver essas HQs tão potentes tendo esse reconhecimento. Acreditamos nesse material pela sua força formal e temática, estar na seleção reforça nossa vontade de trabalhar com esses formatos, muitas vezes tidos como marginais.
Qual o papel das publicações independentes na cena de quadrinhos brasileira?
Eu acho que a publicação independente, artisticamente, é um espaço de experimentação. Ali é possível se portar como um oásis um pouco mais aparte do raciocínio mercadológico. Realmente entendo que é no espaço do independente, que é amplo, vai dos zines mais simples até livros de arte, é nesse espaço que as ideias mais livres e arriscadas acontecem, isso é necessário para rompermos com a diluição das formas e conteúdos do mainstream. Claro que no Brasil esse raciocínio é mais dúbio, por que o que é nosso mainstream? Percebo um fluxo de muitos autores que circulam por editoras, mesmo assim não abandonam o subterrâneo, porque vê ali um lugar de liberdade mesmo.
E também é uma postura, enquanto o mercado BR estava bastante desinteressado dos quadrinhos, foi o independente que manteve a vibração e a produção dessa linguagem. A primeira década de 2000 mostra bastante isso, com o Marcio Jr, a Samba, a Marca de Fantasia, o Quarto Mundo, a Camiño di Rato, a Prego e vários outros.
Como é a recepção do catálogo da editora pelos leitores?
Nós temos uma circulação pequena, o que se amplia por termos nascido um mês antes da pandemia, isso cria uma dificuldade inicial porque ninguém faz ideia do que você está propondo – exemplo disso é que alguns movimentos de bancas alternativas em 2020 de impressos experimentais nos negaram, com certeza por falta de referência, faz parte. Em 2021 aos poucos temos conseguido acessar mais pessoas e espaços, felizmente. Quanto a recepção do público, tem sido muito legal, tanto por parte de leitores que conhecem agora uma produção mais experimental, quanto por outros leitores que já gostam dessa produção, mesmo que de outras áreas – poesia visual, música ou cinema experimental e artes contemporâneas. Estamos muito felizes.
Um caso específico legal de citar foi o do Jozz, grande quadrinhista e artista, que leu a Autofagia e comentou que viu ali um eco da vontade de explorar os quadrinhos que parecia um tanto perdida nos 2000.
Quais são os projetos para este ano?
Ano passado foi ótimo e conseguimos lançar: “Pra quem? Moebius e o Palácio”, “Viveiro”, “Autofagia”. Três lançamentos podem parecer um volume pequeno, mas todos foram muito cuidadosos e principalmente a Autofagia demandou um trabalho de meses, então ficamos muito satisfeitos.
A passagem do ano agrupou mais alguns trabalhos: “Sem olhos ou Ecos de Maria” foi impressa em dezembro e lançada agora em fevereiro de 2022. “Família Ghee” e “Anticonsbox”, financiadas pelo catarse em dezembro, já estão em processo de impressão.
“Anticonsbox” inaugura nossas publicações literárias, já que ela consiste em uma caixa com três livros: um livro de crônicas, uma HQ e um livreto com letras ilustrações e um CD.
Além desses 3 trabalhos, temos mais três publicações que podem ser anunciadas:
(1) Daremos continuidade às publicações de crítica e teoria – a Autofagia, além das 300 páginas de quadrinhos, tem seis ensaios sobre quadrinhos e abstração – com um livro do Valter C. Moreira sobre o Mundo Pet, do Lourenço Mutarelli. É um belo ensaio crítico que traça paralelos entre as HQs do Mutarelli com Kafka e também com o surrealismo.
(2) Um livro de contos do autor Lucas Toledo, que versa sobre sociedade, preconceito e outros temas importantes a partir de uma linguagem muito poética.
(3) E por último, mas não menos importante, “Egéria”, um projeto que une artistas visuais e escritoras para criar publicações inéditas que explorem o formato livro. Esse projeto está em andamento desde o ano passado e tem mostrado resultados prévios incríveis.
Muito obrigado ao Guilherme por arrumar um tempinho na sua agenda para essa entrevista! Todos os livros mencionados podem ser adquiridos com a editora pelo Instagram ou mesmo na lojinha online do Selo Risco Impresso.